um artigo de: MARIA HELNA BENJAMIM, ISIS MESFIN, CATIANA MADALENA RAÚL E ERNESTO BENJAMIM
Museu Nacional de Arqueologia de Benguela, fundado em 1976 e aberto ao público em 1979, alberga uma grande colecção de material pré-histórico proveniente de várias províncias do país. Essas colecções são principalmente "pedras lascadas". Se estas últimas apresentam/carregam os traços de populações passadas para os arqueólogos, muitas vezes não são muito evocativos para o público em geral, que ainda não despertou seu interesse. Essas "pedras lascadas", no entanto formam um arquivo inigualável da Pré -história angolana, mas também da história da pesquisa arqueológica realizada no século XX. Hoje, a equipa do Museu questiona-se como valorizar estas "pedras lascadas" para o público em geral? Como conscientizar sobre a sua conservação e como reestudar estes objectos em pedra para beneficiar a ciência?
O QUE SÃO "PEDRAS LASCADAS"
As
pedras lascadas, também chamadas de "líticos", são os vestígios
deixados pelas populações humanas do passado quando fabricavam ferramentas de
pedra. A partir de diferentes técnicas de talhe da pedra, as populações
passadas foram capazes de fabricar ferramentas usadas para moer, cortar, raspar
ou perfurar. Hoje substituídas pelo metal e plástico, durante a Idade da
Pedra, a pedra foi o principal material usado para a subsistência. Este
material prevaleceu entre 3,3 milhões de anos (sítio de Lomekwi, Quénia)
até ao Holoceno e representa, portanto, um grande testemunho da história das
tecnologias humana. A história da evolução humana é profundamente marcada
por este material, do qual agora perdemos a mestria.
A partir do conhecimento das propriedades mecânicas de diferentes rochas, foi possível para as populações pré -históricas trabalhar esses materiais e produzir uma grande variedade de objectos em pedra. A acumulação desses vestígios em pedra (resíduos de produção e instrumentos) na paisagem formam os chamados sítios pré-históricos. Em grutas, em abrigos ou ao ar livre, a acumulação destes vestígios de pedras lascadas permite em parte identificar os sítios pré-históricos. Com um pouco de sorte, essas pedras lascadas estão associadas aos restos ósseos fossilizados, e por períodos mais recentes, aos vestígios cerâmicos.
A CULTURA NAS PEDRAS
Os
especialistas da pedra lascada, os “tecnológos” estudam cada estigma presente nessas
pedras lascadas para reconstituir os comportamentos passados. Desde a identificação
de rochas (quartzo, arenito, granito, quartzito, silex, calcário, etc.) ao
estudo das tecnologias passadas, eles reconstituem cada etapa da produção dos
objectos e às vezes sua utilização quando a traceologia (estudo de traços
microscópicos nos bordos dos instrumentos) é aplicada. A partir daí, eles
podem identificar tendências culturais passadas. De facto, os gestos, as
técnicas e o uso de materiais são emprestados pela cultura de cada
indivíduo.
Cada civilização pré-histórica tem sua própria maneira de produzir instrumentos de pedra; isto pode se manifestar nas preferências por certos tipos de rochas ou no desenvolvimento de técnicas de talhe específicas que se manifestaram em um espaço e período de tempo limitados. O estudo e a classificação destes vestígios da pedra lascada destacam portanto amplos padrões de evolução cognitiva e tecnológica que deram origem à divisão em três: a Idade da Pedra (Antiga/Média/Recente), mas também à uma geografia cultural pré-histórica.
Para estudá-los, identificamos o tipo de matéria-prima, sua qualidade para avaliar o impacto sobre as possibilidades de talhe, detectamos os diferentes negativos de talhe que correspondem aos golpes de percutores e lascas de pedra. Nós as medimos, atribuímos às peças os tipos de técnicas, desenhamos em detalhe e tiramos fotos de acordo com uma orientação precisa.
AS PEDRAS PARA CADA PROVÍNCIA DE ANGOLA Em Angola, como em grande parte da África, os principais vestígios deixados pelo homem pré-histórico são em pedra as condições ambientais nem sempre são propícias à fossilização dos ossos.
Além disso, desde o final do século XIX, foram descobertas pedras lascadas em Angola e cada província produziu importantes vestígios em pedra que foram colectados. Quando estas pedras são colectadas, seja na superfície ou através de escavações arqueológicas, é criado assim um sítio arqueológico pré-histórico. Nosso conhecimento da Pré-história de Angola é, portanto, em grande parte baseado nesses sítios com alguns sítios que renderam colecções muito ricas de líticos, como Capangombe (Província Huila), foram colectados mais de 90.000 artefactos em pedra atribuídos ao final da Idade Antiga da Pedra (Early Stone Age) e início da Idade Média da Pedra (Middle Stone Age), o período de emergência e difusão da nossa espécie, Homo sapiens em África.
Cada província em Angola tem uma série de sítios pré -históricos que apresentam suas próprias especificidades em termos de talhe da pedra. Esta variedade é impactada pela diversidade de rochas disponíveis na natureza, mas também pelo grupo cultural que as produziu. Por exemplo, na costa de Angola, podemos distinguir uma tendência ao uso de seixos de praias fósseis, chamadas praias elevadas, principalmente em quartzo. A partir destes seixos, os homens pré-históricos utilizavam as convexidades naturais dos seixos para a aderência e com alguns golpes do percurtor, eles criavam um trinchante ou um pico que utilizavam para actividades de corte. Por outro lado, no nordeste do país, na zona florestal de Lunda-Norte, númerosos sítios descobertos durante as actividades de mineração da antiga empresa DIAMANG, testemunham uma tecnologia pré-histórica de pedra lascada completamente diferente. Com efeito, as populações usavam os grandes depósitos de grés e quartzito e fabricavam instrumentos “formatados”, uma técnica de talhe de pedra que podemos equiparar à escultura de pedra. Graças à estas técnicas, as populações produziram instrumentos grandes e alongados e às vezes muito maciços e pesados. Esses instrumentos foram considerados há muito tempo como reflexo de uma adaptação à cobertura florestal da África Central e seriam especializados no trabalho com madeira. No entanto, esta percepção evolutiva e linear das culturas pré-históricas foi construída durante a colonização e precisa ser completamente revisada.
AS ACTIVIDADESDO MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA DE BENGUELA
Embora uma grande parte do património arqueológico pré -histórico de Angola tenha sido constituído antes da independência, actualmente este acervo, com mais de 200 000 peças, é conservado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O Museu Nacional de Arqueologia de Benguela tem no seu arcevo um total de 3219 peças entre elas líticos e cerâmicas de 16 sítios pré-históricos, proveniente de algumas províncias do país.
Com a criação do Museu Nacional de Arqueologia em Benguela em 1976, L. J. M.
Pais Pinto (criador e fundador do museu) constituiu uma colecção com mais de 9000 peças (líticos, cerâmica e outros) provenientes de 50 sítios arqueológicos, sobretudo da região da Baia-Farta.
Desde Janeiro do ano em curso, a equipa do Museu tem estado a trabalhar na reabilitação da colecção da Lunda-Norte. Esta colecção contém 411 peças que correspondem à várias tecno-culturas que passaram da Idade Antiga para a Idade Recente da Pedra, típica da África Central e da Bacia do Congo: o Sangoense, o Lupembense e o Tshitolense. Falamos de "tecno-culturas" porque são culturas pré-históricas que desapareceram e foram definidas com base nas especificidades técnicas observadas nas pedras lascadas. Essas mesmas tecno-culturas foram identificadas em países vizinhos como Zâmbia, República Democrática do Congo, República do Congo e República Centro-Africana. O património pré-histórico da Lunda-Norte tem, portanto um interesse arqueológico não só para Angola, mas também para toda a África Central.
O Departamento de Investigação Científica do Museu está a trabalhar para reconstruir a história desta colecção lítica da Lunda-Norte e para fornecer uma nova descrição dos instrumentos enquanto actualiza a classificação, a arrumação e o inventário. Finalmente, um programa de digitalização dos instrumentos de pedra permitirá a criação de um suporte para a pedagogia ou a pesquisa em arqueologia. Este novo estudo do material pelo museu também permitirá a reconstrução de uma base sólida para preparar futuras escavações arqueológicas ou para contactar a longo prazo as outras instituições depositárias do material pré-histórico da Lunda-Norte um património pré-histórico estimado em várias centenas de milhares de artefactos de pedra e outros. Em Angola, infelizmente, essas tecno-culturas ainda estão muito mal contextualizadas: quais eram os ambientes passados? Qual é a cronologia dessas tecno-culturas pré-históricas? Porquê sua ferramenta étão distinta? Todas estas perguntas que a equipe do museu espera responder através de novos projectos de pesquisa nos próximos anos.
Fonte: Jornal Cultura