JORGE GABRIEL “CORAÇÃO AMIGO DA SUA TERRA”

JORGE GABRIEL “CORAÇÃO AMIGO DA SUA TERRA”

JORGE GABRIEL “CORAÇÃO AMIGO DA SUA TERRA”

Jorge Gabriel é um benfeitor que há seis décadas se dedica a cuidar das Acácias Rubras, para que continuem a florir. O empresário abriu as portas de sua casa, bem disposto como habitualmente, a dividir o que tem com quem precisa. Deu-nos parte da sabedoria que conquistou, abrigo, família, negócios, deu-nos Benguela.

g9Jorge Gabriel Gomes Brito, encheu os seus pulmões de ar, pela primeira vez, que há-de ter sido seguido de um choro caracterizado por uma gritaria aguda (o que aliás, é comum aos recém-nascidos), a 19 de Dezembro de 1954. Filho de mãe cabo- verdiana e pai português, benguelense de garra, é ao Sporting Clube de Portugal que atribui a culpa das suas possíveis variações de humor, desde o choro aos urros de alegria! Fez a instrução primária na Catumbela, aos 8 anos, mudou- se para a “Casa do Gaiato”, e lá viveu, em regime interno, até aos 22 anos de idade. De entre outros, trabalhou na Central Hidroeléctrica do Alto-Catumbela, no Lobito, até cruzar o seu caminho com o mundo empresarial. É proprietário do Grupo Escondidinho, presidente da Associação de Industriais Hoteleiros de Benguela há 20 anos e foi nomeado presidente da Associação Acácias Rubras. Gosta de viajar para Cabo-verde, Brasil e Portugal, para um “check-up” médico e assistir a jogos do seu Sporting!

Celebrou, no ano passado 60 anos de vivências! Qual considera ter sido o momento auge da sua vida?

g8Sem dúvidas que foi a homenagem dos meus, nomeadamente, filhos, mulher, irmãos, netos, bem como a do meu grande amigo Adérito Areias. Também a dedicatória na voz do padre Manuel, meu tutor, um verdadeiro pai, que me criou, na “Casa do Gaiato”, esteve sempre presente, e de mim cuidou, mesmo nas alturas de maior traquinice e rebeldia, com a maior paciência, que muitos pais biológicos não possuem, e merece por isso o meu afecto inestimável. Todos eles foram brilhantes! O que deverá fazer aos 60, que não se permitiu fazer antes!? Pretendo ver-me casado com a Paula Baptista, mulher merecedora, pela amizade, amor e respeito que mantemos um pelo outro. “Amigo (…) enriquece-nos (…) pelo que nos revela sobre nós mesmos.” [Miguel Unamuno]

O que é que os seus amigos lhe têm revelado sobre si!?

A homenagem de ontem foi um verdadeiro testemunho sobre o que eles têm a revelar sobre mim, transmitiu a veracidade dos laços de amizade que nos unem, o que têm para dar, portanto concordo plenamente com essa citação. Tenho tido inúmeros motivos de incentivo para continuar a ser o amigo que sou, não peço nada em troca, e, em diversas situações, convívios ou encontros entre amigos ou família, quando se pretende referenciar alguém, felizmente tenho sido nomeado. Inclusive já ouvi filhos dos meus amigos dizer “gostaria que o meu pai fosse um pouco mais como tu”, e isso para mim é uma grande forma de consideração, fruto da preocupação constante e presença assídua com e para os meus, esqueço-me de mim para dar mais a eles, o que me tem trazido imensos ganhos, portanto, não pretendo mudar quem sou, sinto-me bem a fazer o bem.

Na sua relação conjugal, o que de melhor aprenderam um com o outro?

g7O respeito! É a base fundamental para que um relacionamento perdure e tenha sucesso, o amor requer respeito associado, conhecer o espaço e limites de cada um de nós contribui para assegurar a longevidade matrimonial. Ao longo destes 18 anos de união, no meio de muito poucas turbulências, es-ses princípios impulsionaram-nos para o actual patamar em que nos encontramos, pois temos também 18 anos de diferença de idade, o que pode ser um factor crítico, porque não é fácil de gerir, fundamentalmente nos tempos modernos.

Pense num momento inesquecível…Descreva-mo!

Na verdade, terei de reviver dois e não um único, um de profunda dor e tristeza, e outro de incomensurável felicidade, tornando ambos inesquecíveis! O primeiro, demasiado marcante, pelas emoções associadas, foi a morte precoce e acidental da minha mãe, que tinha ainda imenso para nos dar e de nós receber! O segundo, decisivo na transição de imaturo para homem, foi o nascimento do meu primogénito, Jojó Gabriel! Tornou-me mais responsável, daquele dia em diante, uma vida passou a ter total dependência de mim para se desenvolver! Passei de, outrora, apenas filho, para pai, dedicando o melhor de mim para garantir a sustentabilidade e felicidade de outro ser humano, o meu primeiro filho!

O homem em que se tornou corresponde à criança que foi!?

g6Na vida, experienciamos diversas fases, caracterizadas por períodos antes, e depois. O Jojó, por exemplo, foi um menino traquino até aos 5 anos, já eu, fui um reguila até aos 20! (Risos) Cada um tem o seu período específico, mais ou menos duradouro, para se adaptar ao meio de forma benéfica, e crescer! Lembro-me de, há muiouvi tos anos, ter aprontado mais uma traquinice na “Casa do Gaiato”, e o padre Manuel me ter dito “Raça de víbora! Como tu não há!”, eu era muito rebelde, metia-me constantemente em confusões! Mas o lema da “Casa do Gaiato” era “Não existem rapazes maus, carecem apenas de ser resgatados e reeducados!” Para contrastar, há tempos idos, o Jojó disse-me, “Não te estou a reconhecer meu pai, se continuas assim, qualquer dia tornas-te num pastor de igreja!” (Risos). Portanto, outrora em constante rebelião e impulsividade, agora mais reflexivo, ponderado e sensato! Contudo, o altruísmo que me particularizava permanece, quiçá tenha até mesmo sido aprofundado! Hoje, sirvo de mediador em situações de conflito.

Porquê que transitou do lar da sua mãe, para o abrigo de menores, a “Casa do Gaiato”!?

g5Por dois motivos! Os três primeiros filhos da minha mãe, eu incluído, fomos gerados na condição de mãe solteira! Ela era a governanta interna da casa dos directores dos Caminhos-de-ferro de Benguela, e ter 3 filhos era uma grande limitação para o exercício da profissão! Vivíamos na Catumbela e trabalhava na ponta da Restinga, o que constituía uma barreira ainda maior! Era-lhe exigido que tomasse conta da casa e dos filhos dos patrões, não lhe restando tempo ou espaço para tomar conta do próprio lar! Mulher batalhadora, analfabeta, de facto, contudo bastante astuta, exigiu aos chefes, “Para tomar conta dos vossos filhos, ajudem-me a criar e valorizar os meus!”

Os senhores emendaram o problema, enviaram-nos para Cabo-Verde, para ficarmos com a nossa avó materna, o que durou quatro anos, mas não resultou, pois a nossa mãe não suportou as saudades que tinha de nós, e regressámos! Ficámos um ano com ela. Quando os patrões agendaram férias para Portugal, precisavam de levá-la com eles, portanto, conseguiram lugar para a minha irmã no Colégio das Madres, e para mim e o Alberto, na “Casa do Gaiato”. O objectivo foi enquadrar-nos num lar que garantisse o nosso desenvolvimento e nos preparasse para a vida! O papel da irmã Viera da Silva e do padre Manuel foram, para isso, preponderantes!

Qual a sua actual ligação com o lar que o criou?

g4Eu nunca saí da “Casa do Gaiato”! Estou presente e participo em todas as realizações, datas festivas, palestras e intervenções periódicas junto dos gaiatos internos, com participações, dando o meu contributo espiritual, subjectivo e material, por intermédio da Sonangol e Direcções Regionais. O mais importante para mim é sentir- me ainda gaiato, e tenho um orgulho inestimável nisso! Reconheço indubitavelmente que tudo o que sou, é fruto da educação que o lar me ofertou! E eles sabem que podem contar comigo seja para o que for! O padre Manuel mencionou no discurso que proferiu no meu aniversário que estamos juntos há 52 anos! Tenho infinitos motivos para afirmar que nunca saí da casa que me fez homem!

Porquê que nunca menciona o seu pai biológico!?

Pelo facto de ser filho de mãe solteira, não perfilhado pelo pai biológico, que, em 1965 regressou para Portugal! A minha mãe perdeu o contacto com ele, e nunca mais foi retomado. Senti alguma pena, no papel de filho, mas foi ultrapassado! Passados alguns anos, os primos e os irmãos tentaram uma reaproximação, mas já não existiam quaisquer ligações afectivas que o justificassem!

Para si, o que é que tem mais valor: amar, ou ser amado!?

É sempre mais feliz quem dá, portanto, amar!

Prima pela excelência em tudo o que faz? Por si, ou pelos demais!?

Procuro sim! Primeiro por mim, e depois pelos outros! Apraz-me sentir-me realizado no que faço! Por isso, invisto a maior atenção e dedicação, tendo sempre em consideração os mais ínfimos pormenores. É imprescindível que se cuide para que os clientes jamais abandonem o espaço contrariados, para isso, o contacto directo com eles é essencial!

Como iniciou a sua carreira de empreendedor? Quando?

g2Na “Casa do Gaiato”, ainda estudante, trabalhava durante o dia e dedicava-me aos estudos à noite! Aprendi a profissão de serralheiro na construção civil, há certas obras espalhadas por Benguela, para as quais contribuí! Perto de 1975, já com o 5º ano concluído, resolvi mudar de vida, participei no concurso público para trabalhar na Central Hidroeléctrica do Alto-Catumbela, havia uma vaga na área de Hidrometria – Cálculo de Caudal, e fui aceite! Até 1983, com o auxílio dos engenheiros João Flora, Leal Costa e Resende Pinto, aprimorei as minhas capacidades e fui promovido à posição de Calculador de 1ª Classe! Tive de mudar de actividade, pois as viagens à barragem estavam cada vez mais perigosas, devido às emboscadas e minas da guerra!

Além disso, era jogador de futebol, pelos “Gaiatos”, e o clube Estrela 1º de Maio quis comprar- -me! Eles eram patrocinados pela África Têxtil e, uma vez assinado o contrato com o clube, comecei a trabalhar na fábrica, durante 1 ano na área comercial. Posteriormente, o Zeca Tavares, Director Financeiro, solicitou a minha transferência para o seu departamento, o que foi para mim uma enorme oportunidade, durante 3 anos! Após esse período, o clube dos “Gaiatos” incitou o meu regresso, por ser filho da casa, e co-fundador do clube, voltei! Para além de mim, houve também quem ficasse bastante satisfeito com o meu retorno ao clube, como Luís Coelho, Director da Hotelaria e Turismo, e Frederico Nunes, Director da Emprotel, empresa pública de hotelaria, restaurantes e similares! Nessa época, o Estado tinha em andamento a privatização das empresas do ramo hoteleiro e, como na altura não haviam as luvas, prémio por assinatura do contrato de futebol, ofereceram-me um restaurante em ruínas. Eu resisti, não quis aceitar! Preferia ao invés uma mota, ou uma televisão, qualquer coisa que pudesse vender e converter em algum dinheiro. Eles, mais experientes do que eu aconselharam-me, “Gabriel, na casa dos 30 anos, a carreira futebolística não tarda, irá findar! Um restaurante servirá para garantir o teu futuro!” E lá, finalmente, aceitei! Levou-me tempo transformar o “Escondidinho” numa casa com condições satisfatórias! Com a ajuda da Sr.ª Elsa Góia, e das famílias de Benguela, Marco Cohen, Dilcinho Lacerda, Meli, Ester, juventude da época, que dinamizaram o espaço, encheram-no de vida e promoveram-no, foi possível diversificar o menu e os serviços prestados, tornando a casa num espaço de referência! Tínhamos como clientela responsáveis do Governo, membros do partido e das forças armadas, o que nos obrigou a elevar a qualidade, estudar, e fui para a Faculdade de Hotelaria de Estoril, Portugal, em 1996, durante 1 ano a estagiar, para agregar conhecimentos e proporcionar as respostas adequadas às necessidades dos clientes!

Presidente da Associação Acácias Rubras, porquê que desempenha esse papel!? Acha que pode fazer mais!?

g1Por se tratar de uma instituição que alberga os naturais e amigos de Benguela e prima por defender os interesses dos benguelenses, uma causa em que acredito! Na altura da eleição do novo presidente, a 28 de Junho de 2014, houve turbulentas discórdias, prestei o meu auxílio e proferi um discurso, com a perspectiva de conseguir consenso no seio do grupo, que teve como resultado o choro de quase toda a plateia. Venci, com 74 votos a favor e 3 contra! Estarei sempre disposto a dar o máximo de mim à Associação! Com as capacidades negociais pertinentes, e com a participação de todos, conseguirei mobilizar o grupo a unir-se rumo ao alcance eficiente dos objectivos, como acontece com a minha família!

Desde cedo que convive com o reconhecimento do meio,… tem sido assim no cargo de Presidente da Associação dos Industriais Hoteleiros de Benguela!? Desde quando?

Tenho recebido nomeações a nível nacional, em jeito de exemplo, fui convidado, recentemente, para chefiar uma delegação que partiu para o Brasil, para as festas da “Dipanda”, irá decorrer a “Expo Milão”, mestres locais estarão presentes e fui convidado para membro da delegação de supervisão, recebi também o convite para dirigir uma equipa responsável por edificar um projecto para a federação de hoteleiros de angola, tudo isto confere-me algum prestígio, dentro do sector, a nível nacional, motiva- me a trabalhar em prol dos interesses da classe hoteleira e turística do país, e orgulha-me, como presidente, há quase 20 anos!

O que tanto o encanta em Benguela?

g10Já foi um dos lugares mais seguros do país, em tempos idos, poderias dormir ao relento, ou perder a carteira, que te seria devolvida com todo o dinheiro lá dentro! Tem tudo, mar, campos, daqui a pouco há-de ter petróleo! (Risos) Por mais orgulho que tenha por ser Benguelense, reconheço, imparcialmente, que é um lugar magnífico!

O que é que lhe falta conquistar?

No ramo profissional, a busca não se esgota, por mais que queiramos estabilizar, há sempre oportunidades a bater à nossa porta, e não se pode dar ao luxo de as ignorar. O grupo escondidinho já merece agregar a si um pequeno hotel, para constituir um alicerce aos demais serviços que já prestamos, criar um salão de festas na periferia é uma boa aposta, uma vez que a zona da praia morena está a sofrer transformações estruturais que têm implicações no fluxo de clientela, como a restrição da circulação de viaturas aos fins-de-semana, o espaço para estacionamento e a poluição sonora, que é uma ameaça, uma vez que a vizinhança reclama dos seus direitos.

De que é que tem medo?

Um homem sem família, é um homem sem valores! Cheguei à conclusão que nem ao nosso pior inimigo devemos desejar que seja abandonado e desprezado pelos seus! Tenho medo de perder, prematuramente, o controlo da minha vida e família, que com muito esforço e carinho constituí, devido a doenças que me possam tornar incapaz!

Depoimentos

“Enquanto criança, ele tinha dentro do coração uma tremenda riqueza humana, que seria desenvolvida ao longo do tempo! O Jorge Gabriel é uma das maravilhas que floresceu na “Casa do Gaiato”, por isso, foi nomeado, pelos outros gaiatos em 1975, primeiro responsável da comunidade, o nosso Chefe Maioral! É um testemunho arrebatador para a sociedade! Para o seu 60º aniversário quero que sinta a presença do meu coração e amor junto dele, e que continue a ser quem é!”

Padre Manuel António da Silva Pereira

“Tenho muita coisa boa a dizer, o Gabriel é um homem amigo, excelente pai, bem mais do que esposo, se hoje sou quem sou é graças a ele! Ser-lhe-ei eternamente grata por tudo o que tem feito por mim, pelos nossos filhos e pela minha família! O meu amor por ele é imenso, que Deus o abençoe, sempre! E que venham mais 60 anos, pois estarei cá para o aturar, (Risos) porque quando o Sporting perde, ninguém pode entrar no quarto, (Risos) horas depois, com carinho e atenção, lá passa! Porque é humilde, carinhoso, é tudo!”

Paula Baptista, mulher

“Um grande pai! Quando me casei, ainda estudante, nada tinha! O meu pai tinha condições para me dar tudo! Ao invés, fui viver para uma casa muito simples, tinha apenas um colchão, onde me deitei com a minha mulher e filho! Naquele momento pensei, o meu pai não gosta de mim! Envergonhava-me receber convidados, sem móveis se quer! Percebi mais tarde, que ele quis dizer-me para lutar e trabalhar para merecer o meu espaço, e aprender a valorizar o fruto do meu esforço! Na transição de miúdo para homem, foi o maior ensinamento que recebi dele! O meu pai é o meu porto seguro!”

Jojó Gabriel, filho

“Íntegro, sincero, um grande amigo! Além de pai, pois foi quem me criou e educou, é um óptimo companheiro, muito sentimental, humano, altruísta. Tem os seus defeitos, mas a soma das qualidades supera-os! Já me chateei com ele, como filha, mas, após reflexão, apercebi-me que estava errada e ele certo! É conselheiro, conversa imenso comigo, apoiou e preparou-me para enfrentar as turbulências da adolescência! O momento mais especial que partilhámos foi o dia do meu casamento, a 1 de Agosto de 2014, a realização de um sonho de ambos! Amo-o muito!”

Priscila Pedro, filha Depoimentos

Fonte: O Pais

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